CRÔNICA DE VIAGEM #1





CRÔNICA DE VIAGEM #1

Viajei para a casa da minha mãe no primeiro ônibus da manhã. Gosto dessa viagem, desse percurso. Sentir poder vivenciar o presente com maior atenção, com maior consciência. As pessoas atravessavam a rua com pressa. O homem desenrolava a lona que cobria seu material de trabalho com tamanha paciência e metodismo. A praça estava sendo construída. O ar àquela hora da manhã estava ameno. Alguns ônibus lotados em pleno sábado. O sol castigava aos que esperavam nas paradas. A vida na cidade se movia, parecia nunca adormecer. Ao passar pela ponte que separa e une as zonas urbanas, o grande rio que transpassa aquela construção mais contemporânea, o lado da construção antiga, que já não se usa mais, oferece identidade ao Estado e aos seus habitantes. Ainda era possível ver a lua, ou parte dela, naquela hora da manhã. É uma das minhas paisagens preferidas. Já na BR, a vendedora de alguma coisa fez sinal para o motorista do ônibus que retribuiu com o aceno, mas o ônibus não parou; ela retornou ao seu lugar – à beira da estada, sob a sombra de um arbusto. Daí por diante, o caminho é mais verde e deserto, umas casas ali e outras aqui. A cada posto de gasolina, um novo caminho. O cobrador recolhe as passagens de quem vai para as praias, pergunta aonde vamos descer – mesmo sabendo onde sempre desço.  Saímos da BR, a estrada se torna mais estreita, mais casas, mais vida. A grama bem cortada da igreja protestante jamais havia chamado minha atenção – em contraste com as casas ao redor, de terra batida ou cimento na varanda. Percebi que a igreja católica tinha grades na entrada – que também contrastavam com as casas ao redor, de muro baixo, cerca ou sem nada. A carne de algum animal dependurada no que deveria ser um açougue, alguns gatos brincavam na mesa embaixo dos corpos – não sei se era brincadeira. Alguns homens papeavam. Por onde o ônibus passasse, prendia a atenção de alguém. Ao distanciar-se do povoado, a estrada ficava mais estreita; fazendas, spas, casebres, terrenos com várias casas, muros que demarcam terras sem produtividade, coqueiros e mais coqueiros. Antes de adentrar naquela velha praia, uma comunidade à beira da estrada, de casas improvisadas, vida improvisada – uma senhora comprava sei lá o que na pequena kitanda, ela e a atendente sorriam reciprocamente. Ao lado da última casa, uma faixa com os dizeres: Comunidade de Resistência, #lulalivre – aos fiapos, insistia em permanecer tremulando; ou algo semelhante. Adiante, Rompia a praia da infância. As coisas não pareciam mudar nunca ali. Desci na parada de sempre, a última. A senhora da minha frente teve dificuldade para descer, carregava consigo uma bolsa bem pesada. Quando nos afastamos mais do ônibus, queixou-se de que o outro cobrador sempre descia a bolsa para ela. Não havia muitas pessoas na rua. Completamente diferente do ritmo acelerado que acabará de abandonar. Sempre me sinto em casa aqui. O mar me acolhe. Dei uma volta com um dos nossos cachorros na praia. Alguns pescadores haviam puxado a rede de pesca, estavam separando alguns peixes; as crianças estavam a volta, uma cachorrinha também – que nem ligou para a presença do meu Vivi, que entusiasticamente tentava fazer contato. O mar estava exuberante. Percebi o quanto as casas à beira mar são incríveis, descobri uma nova, lembrei que havia sido construída no lugar de uma antiga, que já havia frequentado com minha família. Muita sujeira na praia. Vivi parecia descobrir um mundo novo a cada coisa que colocava na boca. Teve medo da água – que estava gelada à beça. Na volta, dei banho nele, todo sujo de areia, com a língua dependurada. Ajudei a fazer o almoço. Recebemos visitas. Trabalhamos no ateliê. Teve jogo de futebol. Fiz umas artes e postagens para o projeto da minha mãe. Brinquei com os outros pets, limpamos a bagunça no canil. Mainha continua trabalhando, completando as encomendas. O dia seguinte amanhecerá domingo.

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